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18.1.05

PEQUENOS PRAZERES CANINOS 

O jornal do pequeno-almoço

É um luxo paradoxal. Comungar com o mundo na paz mais perfeita, no aroma do café. No jornal há sobretudo horrores, guerras, acidentes. Ouvir as mesmas notícias na rádio seria já precipitarmo-nos sobre o stress das frase marteladas a murro. Com o jornal é exactamente o oposto. Desbdobramo-lo melhor ou pior sobre a mesa da cozinha, entre a torradeira e a manteigueira. registamos vagamente a violência do século, mas ela cheira a compota de groselha, a chocolate, a pão torrado. O jornal, em si mesmo, é já pacificador. Não descobrimos nele o dia, nem a realidade. Sob a perenidade da faixa do título, as catástrofes do presente tornam-se relativas. Elas estão lá apenas para apimentarem a serenidade do ritual. A amplitude das páginas, o atulhamento da malga do café, permitem somente uma leitura poisada. Viramos as páginas acauteladamente, com uma lentidão reveladora: trata-se menos absorvermos o conteúdo do que de aproveitarmos ao máximo o continente.
Nos filmes, os jornais são muitas vezes simbolizados pelo frenesim das rotativas, pelos gritos alvoraçados dos vendedores na rua. Mas o jornal que descobrimos de manhãzinha na nossa caixa do correio não tem a mesma febre. Ele conta as notícias de ontem: este falso presente parece vindo de uma noite de sono. E, depois, as rubricas sensatas contam mais do que o sensacional. Lemos a meteorologia, e é de uma abstracção muito doce: em vez de espreitarmos lá fora os sinais evidentes do dia, infundimo-los de dentro, no amargor açucarado do café. A página de desporto, sobretudo, é imutável e reconfortante: as derrotas são sempre seguidas por esperanças de desforra, os prazos renovam-se antes que as tristezas sejam consumidas... Não se passa nada no jornal do pequeno-almoço, e é por isso que nos precipitamos sobre ele. Prolongamos nele o sabor do café quente, do pão torrado. Lemos nele que o mundo é todo parecido e que o dia não tem pressa de começar.


by Philippe Delerm

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